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Para Onde Caminhamos Nós, Seres Humanos?

  • Foto do escritor: Sandra Dias
    Sandra Dias
  • 8 de jun.
  • 3 min de leitura

Imagem criada com recurso a IA (Recraft)
Imagem criada com recurso a IA (Recraft)

Entre o progresso e o esvaziamento da humanidade


Num mundo em acelerada transformação, torna-se urgente parar para pensar: para onde estamos a ir? A pergunta é tão antiga quanto actual. No meio da inovação tecnológica, da globalização e do imediatismo, muitos sinais parecem indicar que estamos a perder o fio condutor do essencial.


Mas continuamos a caminhar, é certo. Uns, apressadamente; outros, de olhos baixos; outros, ainda, sem saber porquê. O chão que pisamos é o mesmo que nos servirá de tecto e, mesmo assim, esquecemo-nos da leveza com que a vida nos é dada.


A perenidade da vida – essa certeza silenciosa – devia aproximar-nos, tornar-nos mais compassivos, mais conscientes. Mas vemos o oposto: assistimos, muitas vezes impávidos, a manifestações de crueldade, egoísmo, indiferença. Criamos muros – físicos e simbólicos –, alimentamos medos, cultivamos rivalidades. E, na azáfama do dia-a-dia, agimos como se fôssemos eternos, intocáveis, de uma perfeição imortal. Como se houvesse sempre tempo. Como se as coisas não nos dissessem respeito ou, por outro lado, como se tivéssemos uma propriedade absoluta sobre aquilo que não conhecemos ou vivemos. Como se o outro fosse, por vezes, um holograma e não um reflexo de nós mesmos.


Agimos numa ambivalência distópica: ora como donos do mundo, ora como se o mundo não fosse, de forma alguma, nosso e a nossa responsabilidade fosse inexistente. As dores e o sofrimento começam a tornar-se banais e diz-se apenas: “É a vida a acontecer.”


Falamos e divulgamos o progresso, mas esquecemos o básico da empatia e da conexão. Construímos cidades e deixam-se desertos no peito uns dos outros. Se a perenidade da vida nos devia ensinar humildade, parece haver um incentivo à soberba e à sobranceria.


A crueldade, seja ela física ou emocional, tantas vezes subtil, normalizada, quotidiana e mediatizada, infiltra-se nos gestos, nas palavras, nos silêncios.


Filmam-se episódios grotescos com um telemóvel, a partir de uma janela ou de uma viatura em movimento, e isso parece bastar: para uns, como demonstração de poder sobre um semelhante; para outros, como forma de justiça. E o medo progride, o medo de se ser humano, ou de se agir como humano.


Um caminho perigoso e incerto, este, que calcorreamos. No nosso imaginário, talvez pensemos que é uma fase e que vai passar. Mas a alienação é tudo menos uma fase: é um estado que se vai instalando dia após dia. E, se não houver uma pausa reflexiva, não vai passar; vai tão-somente tornar-se um padrão aceitável. Seremos cada vez menos os audazes– e cada vez mais coagidos – a aderir ao padrão, sob pena de sermos encerrados dentro de muros, de tão incómodos que se tornarão os nossos pensamentos e acções para o sistema dominante.


A História está cheia de evidências de que isso é possível. Não é preciso ter vivido nesses tempos para acreditar que aconteceram – e para temer que se repitam.


Existe retorno? Enquanto existir uma consciência activa, há essa possibilidade.

Mas como? Curiosamente, se atentássemos na criança que ainda pergunta “porquê?”, quando ninguém mais ousa fazê-lo, talvez encontrássemos o ponto de partida para desactivar esta anomia. Esquecer, por momentos, que é mais fácil dominar algoritmos do que cultivar empatia; que é mais cómodo erguer muros do que reconhecer fragilidades; que é mais rápido julgar do que compreender.


Voltar à criança e perguntar mais vezes “porquê?”, sem pensar na vergonha ou na culpa de como esse “porquê” será recebido.


Pequenos gestos, pequenos passos:

  • Escutar mais do que apenas ouvir;

  • Observar mais do que somente olhar;

  • Comunicar mais do que apenas falar;

  • Agir em vez de ficar a fazer scroll no telemóvel ou a mudar de canal na televisão.


Usar a cabeça para pensar e não apenas para regurgitar o que nos impõem consumir. Perceber, de uma vez por todas, que a vida é uma passagem – e que o outro sou eu, e eu sou o outro. Respeitar mais, em vez de apenas parecer respeitável. Recorrer à memória da Humanidade e aplicar a decisão diária de não sermos cúmplices de um cinismo social e de uma prática de terra queimada.


Se tal for possível, talvez caminhemos, afinal, para dentro. Para reaprender a olhar. A escutar. A cuidar. A ser.


Talvez estejamos a precisar de uma travagem de emergência na corrida cega pelo sucesso, pelo consumo, pela razão absoluta, pela mania de que somos donos de tudo.


Não somos donos de nada: nem do tempo, nem da verdade, nem da vida.


Talvez seja possível deixarmos a caverna, onde hoje – em vez de tochas para nos defendermos e fogueiras para nos aquecermos – temos um dispositivo electrónico que é, simultaneamente, útil e tóxico.


Caminhamos, sim, mas será que sabemos para onde?


Revisão de texto realizada por José Ribeiro

 
 
 

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