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O controverso mito da sorte



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Na jornada do desenvolvimento pessoal, muitas vezes deparamo-nos com provérbios e ditos populares que se cruzam com a nossa maneira de ver o mundo e de nos relacionarmos com a realidade. O provérbio, em modo provocativo, “Acostume-se à sua sorte, não se queixará dela” pode ser integrado nesta reflexão. À primeira vista, esta expressão poderia sugerir uma resignação passiva perante a vida, mas, se a explorarmos mais profundamente, tem um potencial revelador como manancial de insights sobre o verdadeiro significado do sucesso e da atitude pessoal de desafiar a resignação passiva ou o destino (conceito paradoxalmente abstracto para os seres pensantes).


O provérbio poderia antecipar a sugestão de que cada pessoa deve aceitar a sua sorte sem queixas. Contudo, a interpretação não deve ser entendida como um convite à complacência, mas como um alerta para uma compreensão mais profunda da responsabilidade individual no caminho para o sucesso. O que muitas vezes é percebido como sorte é, na verdade, o resultado de uma série de escolhas, esforços e persistência ao longo do tempo. Não é por acaso que ouvimos por vezes – embora ainda não com a frequência necessária – que a “sorte se constrói”.


O sucesso, a estabilidade, o bem-estar – porque cada um de nós tem conceitos diferentes aplicáveis na sua vida – raramente é um golpe de sorte isolado. É o resultado de um comprometimento constante, aprendizagem contínua e disposição de enfrentar desafios, mesmo quando tudo parece estar revestido de “ses” e “nãos”. Cada pequena acção (inclusive a ausência de acção, deliberada ou não) contribui para moldar o destino de uma pessoa. O desenvolvimento pessoal, neste contexto, torna-se um investimento individual constante, um processo evolutivo que contribui para a sorte individual. E a chamada “sorte” também se faz de desaires, obstáculos, desafios que se consideram intransponíveis, noites mal dormidas, refeições que se saltam, dores de cabeça, indisposições e outras maleitas que o nosso corpo vai manifestando.


Se imaginarmos a sorte como uma casa que construímos ao longo da vida, de forma simbólica cada tijolo representa uma escolha; cada alicerce, uma experiência; e cada abertura para o exterior, uma oportunidade explorada. Assim, numa mentalidade de pragmatismo, o sucesso não é uma dádiva do destino, mas uma edificação construída com esforço, habilidade e dedicação. Aceitar a sorte não significa, necessariamente, resignação, mas reconhecer que somos os arquitectos de nosso próprio destino.


A mentalidade desempenha um papel crucial nesse processo de moldar a sorte. Não é por acaso que ouvimos cada vez mais falar da mentalidade de crescimento, que se expande e olha para além das circunstâncias de contexto.

Pelo contrário, uma mentalidade fixa, que aceita as circunstâncias como imutáveis, pode ser refém das suas próprias limitações – muitas vezes imaginadas sem fundo de evidência real. A mentalidade de crescimento potencia a (re)significação de desafios como oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, e reconhece que a sorte é uma construção activa, não um presente passivo.


A responsabilidade pessoal tem, assim, uma centralidade importante: ao invés de aceitar a sorte como algo predeterminado, poderemos expandir a responsabilidade pessoal. Cada decisão, cada escolha, cada esforço conta. O sucesso é o resultado de acções conscientes, de aprender com as falhas e ajustar as velas quando necessário. Acredito que os que moldam activamente a sua sorte compreendem que a jornada é tão valiosa como o destino. Essa compreensão é um desafio constante ao formato da nossa sociedade, que tendencialmente mede o esforço pelos resultados. Perceber que a jornada também é esforço, mesmo que os resultados sejam diferentes, também pode ser uma forma de desafiar a sorte e aprender com cada experiência.

Em síntese, o provérbio “Acostume-se à sua sorte, não se queixará dela” é um lembrete de que a sorte é construída, não encontrada. Da próxima vez que verbalizarmos “Tens muita sorte!”, pensemos que, mais do que o resultado de uma mera casualidade, foi uma conquista consciente e que, na maior parte das vezes, “deu muito trabalho”.


Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.

Revisão de texto realizada por José Ribeiro

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