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O medo é do tamanho que nós o fazemos



Um regresso à escrita depois de muitos meses. O regresso aos provérbios como um incentivo para debelar o medo de escrever. E, neste ensejo, um provérbio sobre o medo.


Existem muitas formas de criar e fazer crescer os medos que habitam a nossa mente. Arriscaria partilhar que a maioria dos medos são gerados pelos nossos pensamentos, pelas nossas emoções e, por vezes, por aquilo que permitimos que seja impresso na nossa mente por intermédio do que ouvimos ou do que nos fazem sentir.


O medo será uma forma de proteção que nos será útil como uma forma de sobrevivência na tomada de consciência de que algumas ações colocariam em risco a nossa existência. Arriscaria também dizer que, desde muito pequenos, somos mergulhados numa cultura que valida o medo, quanto mais não seja para evitar que façamos os “despautérios” que uma pueril criança arrisca na descoberta do mundo e do que a rodeia. E, sem termos noção, essa cultura impregna a nossa vida e, se não estivermos vigilantes, poderemos ficar reféns dela.


Ainda que no silêncio de cada mente, acredito que todos teremos os nossos medos. Talvez porque, na ausência de uma bola de cristal, existam capítulos da nossa vida que ainda não vivemos e que criam um imaginário do que possa ser. Alguns falam dos seus medos como forma de os libertar e de os resignificar. Outros viverão com eles no silêncio dos seus pensamentos, esperando que se desvaneçam à medida que os capítulos vão avançando.


A forma como lidamos com essas ideias imaterializadas – que muito rapidamente se transformam em ações materializadas – mudou ao longo do tempo. Felizmente, hoje são muitas as abordagens que nos permitem gerir essas aparições. São muitos os autores e as publicações que abordam esta temática – umas mais felizes, outras menos; umas que geram leveza, outras que geram culpa ou vergonha. Em síntese, tudo depende da forma como identificamos e categorizamos os medos. Se os colocamos na gaveta do “congela e finge-te uma planta” ou na gaveta do “racionaliza e age”.


Como constructo mental, o medo será essencialmente uma produção individual que vai inspirar-se no nosso mapa mental, nas nossas experiências, na nossa interpretação, na nossa identidade, na nossa X, na nossa Y, na nossa Z...


O medo será, assim, do tamanho e da intensidade que nós lhe imprimirmos. Há muitos meses, no meio de uma situação complexa, tive a oportunidade de ler “A Força da Coragem”, de Brené Brown. Registei a frase “Apenas o que levares contigo”, citada no livro como metáfora do que levamos para a caverna (as situações difíceis). Esse mantra foi essencial para vivenciar a situação de uma forma mais “leve”, quando tomei consciência de que a situação já era complexa em si mesma e que seria penoso levar ainda mais cenários, por antecipação, que me sugariam a alma. Sempre que alguém ao meu redor me dizia que “agora é que vai ser difícil...”, lembrava-me do mantra e, aceitando a minha vulnerabilidade de estar triste, relembrava o mantra, acompanhada do “eu escolho o que vou levar para a caverna”. O medo não desapareceu, mas, como um balão que está ao ar, acabou por diminuir de tamanho.


Acredito que viver sem medos é uma circunstância pouco provável num mundo – interior e exterior – em complexa ebulição. Acredito, também, que temos na nossa mão uma quota-parte significativa na criação e manutenção dos medos que nos atrasam ou impedem de tomar decisões, de viver com uma maior felicidade, de escolher entre opções, de desafiar a área de conforto.


Na História não existem vencedores nem vencidos. Na gestão do medo, acredito que se aplica a mesma tese. Não somos melhores nem piores por termos medos ou por resolver perfilhá-los ou sacudi-los. Importante será estarmos vigilantes em relação à proporção com que os aceitamos e validamos.


Viver sem medo de ter medo poderá ser uma nova forma de catarse, assumindo que somos seres emocionais e que a coragem poderá ser um antídoto para o medo. Acima de tudo, esse resgate da coragem é feito de “mão dada” com a aceitação da vulnerabilidade, sem escamotear que “cair dói e vai doer sempre” e que a “dor será sempre dor”.


Coragem e medo, uma união (im)provável do tamanho que nós a fizermos.


Dedico este artigo à minha mãe, que acredito ter tido muitos medos na vida, mas que sempre os conciliou com a coragem. Grata por tudo o que me ensinaste e que guardarei na memória que sempre nos unirá. Até sempre! Até já!


Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.Revisão de texto realizada porJosé Ribeiro

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