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Navegar em águas desconhecidas e com nevoeiro


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O presente ano foi “aquele ano” em que a mestria de navegar foi definitivamente posta à prova. Em todos os sentidos, em todos os domínios. Em todo o mundo!


Habituámo-nos e agimos, nos últimos anos, sob o reinado da globalização, sem que tenhamos percebido como esta conexão entre todos é de tal forma densa e complexa. O ano de 2020 provou-nos, sem qualquer dúvida, essa conexão umbilical.


Começámos o ano com rotas auspiciosas e desejosos de chegar o mais rápido possível e em condições de segurança ao nosso destino. A linha do horizonte parecia-nos sublime como sempre; como um dado adquirido; como se sempre lá estivesse sem que nada a abalasse. O leme, seguro de si, e as tripulações entusiasmadas com a navegação tranquila. Nada anteveria a borrasca que, num ápice, se iria instalar. E num ápice tudo mudou: os adquiridos, os planos, as oportunidades… e surgiram novas e inesperadas ameaças, para as quais não estávamos preparados.


Se recordarmos Peter Drucker, “a melhor forma de prever o futuro é planeá-lo”, no ano de 2020, fomos surpreendidos por um novo paradigma e pela emergência de um novo registo na forma de pensar e agir. O que nos torna frágeis e vulneráveis tem, também, a possibilidade de desafiar a nossa capacidade de superação. Acho que todos nós, em algum momento da nossa vida, já ouvimos testemunhos de verdadeiros actos de superação quando o tapete foi subitamente arrancado de debaixo dos pés, levando a uma queda aparatosa. Em algum momento, já nos enviaram ou visualizámos vídeos motivacionais que nos puseram a pensar. Uma coisa é ver, outra coisa é viver!


No ano de 2020, passámos para o ecrã desses vídeos com um papel e um contexto que não escolhemos, catapultados para o olho do furacão. Desde esse dia que continuamos diariamente a navegar em águas desconhecidas e com um nevoeiro denso. Os instrumentos falham constantemente, e fomos forçados a mobilizar as nossas competências – visíveis e ocultas – para prosseguir viagem. Houve momentos em que lançámos a âncora para não derivar. Houve momentos em que o barco meteu água. Houve momentos em que pessoas caíram à água e tivemos de as resgatar. Houve momentos em que não dormimos. Houve momentos em que não parámos para comer. Houve momentos para amaldiçoar os deuses. E, acima de tudo, houve e permanecem momentos de reinventar a navegação, arriscando as possíveis e mais adequadas acções para continuar a navegar.


Se há característica que nos identifica como seres humanos é a surpreendente energia para prosseguir e empreender mudança e transformação quando tudo ao redor parece falhar ou escassear.


Salvo raras exceções – sem sentido crítico ou depreciativo –, foram empreendidas alternativas formas de pensar, planear e agir. Permanecemos a navegar em águas desconhecidas e com um nevoeiro que se mantém e se entranha na pele. E perseveramos numa atitude de resiliência e foco, certos de que haveremos de chegar ao destino. No diário de bordo, estão registadas as circunstâncias e as formas que adoptámos para as superar. Quando tudo passar, que cada um de nós guarde este diário de bordo como uma evidência para memória futura de que estamos todos ligados e de que é possível avistar oportunidades numa alta densidade de ameaças e fraquezas.


Há algum tempo, escrevi sobreáguas calmas não fazem bons marinheiros”. Se na altura eram apenas cogitações, hoje facilmente se encontram evidências.


Como em todas as embarcações, em sentido figurado, encontramos os que se dedicam à mestria de navegar e os que se entregam ao “ócio presenteísta”de esperar que os outros levem o barco. As Organizações não são excepção, e este ano, mais uma vez, desocultou esta evidência. Em momentos de desafio, uma sensata voz de comando é um farol que nos transmite a segurança e o entendimento de que, em equipa, conseguimos ultrapassar o desafio. As competências de liderar e ser liderado são essenciais em contextos em que as competências puramente técnicas deixam de ser o elixir para todas as adversidades.


Se este ano de 2020 nos conseguiu ensinar alguma coisa, na minha opinião sustentou a certeza de que as competências socio-relacionais – nas quais integro o autocontrolo, a gestão emocional, a gestão do tempo, o stresse a comunicação assertiva – são um factor diferenciador.


Quando o nevoeiro passar, continuaremos a insistir nas mesmas idiossincrasias e/ou tiraremos as grandes aprendizagens? Cada um de nós decidirá e será responsável pelas suas escolhas.


As minhas últimas palavras são para todos os “grandes marinheiros” com que me cruzei neste ano e com quem aprendi todos os dias. Que tiveram a bondade de partilhar comigo o seu diário de bordo e que me deixaram partilhar o meu. Que partilharam mantimentos, instrumentos e, acima de tudo, experiências. Em barcos diferentes e nas mesmas águas desconhecidas e com nevoeiro.


Rumemos ao que nos move! Como escreveu Saramago, “não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”.

Bom ano para tod@s.


Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.Revisão de texto realizada porJosé Ribeiro

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