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Nada como um dia depois do outro


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Os provérbios, na sua excelsa missão de trazer à luz da consciência o que de tão simples habita a existência.


A simplicidade de perceber que os nossos dias são um manancial de oportunidades, de uma atitude de aceitar e agradecer a cada segundo, em cada privilégio e em cada desafio.


O ano de 2022 não deixa, no meu caso, saudade. Ou deixa? Um ano duro de uma perda irreversível, de sentir na alma a eternidade da ausência da pessoa mais importante da minha vida, que de forma generosa me trouxe à vida e que contribuiu de modo nuclear para o que sou hoje. Alguém que me ensinou, todos os dias, que não somos o que temos ou fazemos, pois podem ser contextos transitórios. Que me ensinou que somos o que somos, na essência do nosso ser, pela forma como nos entregamos à vida, a nós mesmos e a todos os semelhantes com quem nos cruzamos. E que todos os dias me transmitiu a coragem que hoje passará e que amanhã tudo pode ser diferente. Que partilhou a sabedoria de entregar o último pensamento da noite com a gratidão que nos pacifica e nos faz adormecer com a serenidade de que amanhã, com energia renovada, seremos capazes de ultrapassar os desafios, criando e desocultando as estratégias internas para encarar as montanhas e os gigantes que se nos afiguram.


À sua partida, ficou a saudade, que é, paradoxalmente, um estado de espírito que desconforta e conforta. Afinal, o que é a saudade senão uma confirmação de que havia – e há – uma memória indestrutível de que determinada pessoa nos fez muito bem e que lhe queremos muito? A saudade é um sentimento de gratidão pelo privilégio do vivido.


Nos últimos anos, temos sido inundados por correntes e paradigmas que impulsionam o pensamento positivo. Mas também essas formas de encarar o mundo têm sido criticadas, argumentando que talvez um estado positivo permanente nos alheará da capacidade de uma análise situacional realista. Compreendo as duas partes e atrevo-me a fazer uma intersecção utilitária entre as duas. No final de contas, vivemos numa linha temporal que une passado, presente e futuro. E por muito que o presente dia seja denso, complexo, tenso, desafiante e, em alguns casos, desesperante ou frustrante, a possibilidade de o dia de amanhã trazer uma nova abordagem, uma alteração na realidade, existe. E acredito, de forma despretensiosa, que ajudará a vislumbrar essas alterações se nos centrarmos em pensamentos com pragmatismo (positivos?) que geram emoções e acções – realidade passível de acontecer aos seres pensantes e reflexivos que habitam o mundo e as Organizações.


Podemos não saber o que sucede amanhã, mas sobre o hoje somos sobejamente responsáveis e o que pensarmos, sentirmos e fizermos hoje tem um impacto no amanhã. Declaradamente não existe reset ou delete, pois somos seres de memórias.

Tudo o que nós vivemos enforma o que somos, consciente ou inconscientemente. A capacidade única de sermos seres dotados de reflexão permite-nos – assim o queiramos – ver, em perspectiva integrada, o que vai sucedendo.


A saudade traz também questionamento, um (re)direccionamento do propósito, catapultando-nos para uma triagem do que verdadeiramente importa e nos norteia. Há etapas que se naturalizam, lugares que percebemos não serem mais o nosso espaço. No meio dessa reflexão, tomamos consciência de uma selecção natural de pessoas que, sem qualquer juízo de valor sobre o seu valor, deixam de fazer sentido na nossa jornada. Sem que nos inclinemos para a arrogância de considerar que somos melhores ou piores, tão simplesmente diferentes, sem que a diferença nos faça melhores ou mais felizes.


Nada como um dia a seguir ao outro para mantermos a saudade como aquele espaço de conforto onde nos abrigamos dos dias de borrasca e começamos a desenhar o plano de prosseguir a jornada com aquilo que somos e que nos mapeia. Talvez honrando a memória dos que deixam saudade e que nos ensinaram que a vida é muito curta para gastar tempo com o que pouco acrescenta, quando podemos fruir do que nos faz levitar e adormecer com o entusiasmo de amanhã acordar com o brilho no olhar.


Nada como este dia para agradecer a todas as pessoas que ao longo deste ano deixam saudades e que estiveram comigo a gerir a saudade que nem sabia existir de forma tão eterna. Pessoas de hoje e que, tenho a certeza, amanhã continuarão a deixar saudade.


Novas etapas surgem amanhã no horizonte. Aceitar e agradecer por ora e, desejo eu, para sempre.


Aceitação e gratidão à saudade!


Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.

Revisão de texto realizada porJosé Ribeiro

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