O "Triângulo das Bermudas" dos nossos dias
- Sandra Dias
- 26 de set. de 2019
- 3 min de leitura

A vida corre veloz, num registo cada vez mais acelerado. Os dias passam de forma rápida, entre design planning templates, check-lists, reminders, top priorities, goals and others.
Na nossa infância, os verões eram intermináveis, com dias que pareciam expandir-se até ao infinito. Não havia telemóveis; tão-pouco as tecnologias que usamos hoje para estar, ser e comunicar... Curiosamente, chegávamos quase sempre a horas, e os poucos atrasos deviam-se a reais circunstâncias de contexto.
Na nossa infância ouvíamos estórias e contos, misturados com mitos e algumas realidades. Lembro-me de apenas ter ouvido a alusão à história do Triângulo das Bermudas já na fase da adolescência e de tal registo passar a integrar o conjunto das incógnitas. Algures no Oceano Atlântico, um espaço-tempo que se destaca como cenário de desaparecimento de aviões e barcos e das pessoas transportadas nesses meios.
Tudo o que é desconhecido ou inexplicável pelo Ser Humano abre a janela da racionalidade e/ou da ficção, consoante o registo cognitivo-social de quem interpreta. Surgem os constructos das teorias: acção externa de extraterrestres, campos magnéticos fora do comum, emissões de gás metano do fundo do oceano, as condições do tempo... Entre a cientificidade e a extrafísica, as explicações são diversas para explicar o que foge do controlo.
Esta breve introdução serviu apenas o propósito de contextualizar o meu breve artigo sobre o que chamo “Triângulo das Bermudas das nossas vidas”, um emaranhado enredo onde, às vezes, “desaparecem” pessoas, numa reconhecível situação a que chamamos hoje “cansaço”, “exaustão” e, em casos mais complexos, “Burnout”.
Três vértices de um triângulo e três conceitos – tempo, stress e conflitos. Três conceitos que vão para além de vãs e meras palavras. Três conceitos vivenciais e reais que interferem nas nossas acções e decisões em relação directa e proporcional (às vezes, inversa) com as nossas emoções.
Passo a explicar:
1. A gestão do tempo nos nossos dias complexificou-se: muitas solicitações, muitos recursos, recepção de informação por muitos meios, altas expectativas, cobrança de altos resultados; o imediatismo, o “dar tudo”, o desafiar os limites, o querer mais, o multitasking, a relação oferta-procura no mercado de trabalho; isto e mais isto e mais aquilo... e a incapacidade de dizer “não”!
2. A gestão do stress nos nossos dias complicou-se. Se estivermos já dominados pela enredo do vértice 1, o nosso metabolismo vai responder a essa “pressão” do exterior com uma série de respostas: a respiração, o batimento cardíaco, a subida da temperatura corporal, a que se juntam outras idiossincrasias (comer muito ou pouco, dormir e não descansar ou tão-simplesmente não dormir, entre outras). O relógio que parece correr mais rápido e/ou que parece parar. Em suma, o remoinho emocional e o esgotamento mais rápido dos recursos internos.
3. A gestão dos conflitos nos nossos dias intrincou-se. Com o tempo a passar veloz, o stress a acumular-se e os recursos a esgotar-se pela menor falta de tomada de consciência do que se está a passar num “comboio em alta velocidade”, a nossa capacidade de aceitar as identidades, os registos de comunicação desajustados, os padrões de comportamento diferenciados, as lideranças difusas e espartilhadas é claramente menor e às vezes inversamente proporcional. E o tempo parece que passa cada vez mais alucinantemente, pois em vez de estarmos dedicados às tarefas, à vida, ao que nos faz felizes, ao que nos move, parece que investimos apenas em gerir-nos a nós mesmos e em lidar com os que nos rodeiam e seus comportamentos.
Em suma, este é o triângulo que se retroalimenta e se expande em proporção, deixando de ser apenas uma figura geométrica para se transformar numa “bola de fogo” incandescente que nos consome.
Receitas milagrosas ou estratégias descartáveis são uma falácia. A única via para não desaparecer neste triângulo passa por uma tomada de consciência, por uma análise dos vértices, por uma destrinça entre causas e sintomas, por uma definição individual da estratégia a adoptar para desactivar e/ou minimizar as causas-efeitos.
No Triângulo das Bermudas do Atlântico, regra geral, citam-se as causas externas para o desaparecimento, como uma alusão simbólica ao Locus de Controlo Externo. No Triângulo das Bermudas dos nossos dias, citar apenas as causas externas é uma demissão do nosso papel de agir e transformar, pelo que a centralidade do Locus de Controlo Interno é crucial.
O triângulo existe, por vezes, sem que o tenhamos criado; aceitá-lo como se fosse uma inevitabilidade é uma opção.
A pergunta que poderia estar na ordem do dia: Quero desaparecer no “Triângulo das Bermudas” dos nossos dias?
✍ Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. ✓ Revisão de texto realizada por José Ribeiro
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