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O que podemos reflectir com “A vida é bela”

  • Foto do escritor: Sandra Dias
    Sandra Dias
  • 7 de mai. de 2019
  • 3 min de leitura

O filme A vida é bela é uma obra carregada de simbolismo na abordagem à vida, às circunstâncias externas a que a vida se sujeita e à forma como o pensamento e a atitude fazem a diferença nos contextos carregados de adversidades em que o desafio à sobrevivência se ancora num estilo permanente de resiliência.

Guido, brilhantemente interpretado por Roberto Benigni, é a personagem central, que nos conduz pela sua história de vida em que emergem as ameaças à vida humana, os fenómenos de autoritarismo e saneamento das identidades, sejam elas individuais, sociais, culturais e de crenças.

O filme retrata um período obscuro da História, não tão distante assim, que se revelou uma das piores páginas da Humanidade – o Holocausto. A frase de início transporta-nos, de imediato, para a ambivalência que caracteriza a natureza humana e as relações: "Esta é uma história simples, mas não daquelas fáceis de contar. Como numa fábula, há tristeza, há maravilhas e felicidade."

A história teria todos os ingredientes para ser categorizada como comédia, não fora a tragédia e o drama que retrata. Apresenta-se a primeira ideia-chave: a representação da realidade determina, sem dúvida, a interpretação e a vivência da própria realidade.

Guido poderia ter optado por ser a vítima, mas escolhe ser o “herói”, protegendo-se a si mesmo e ao filho, que o acompanhará numa história de vida marcada pela inquietação e desalento.

O filme está carregado de metáforas, com uma utilização permanente da criatividade e do que hoje chamamos “ferramentas do storytelling e/ou da vivência (re)criativa das experiências”, que se revelam valiosas para mitigar situações adversas e fazer face aos desafios diários.

No filme, e a partir do momento em que declaradamente se revela uma Itália ocupada, com as deportações para os campos de concentração, a vida de Guido, seu filho, mulher e tio revelarão a trama mais cruel de quão vil pode ser a natureza humana quando guiada por valores que negam e repugnam a identidade individual e/ou social dos seus semelhantes.

Guido assumirá um guião apoiado numa narrativa em que recria as circunstâncias, através da adopção ingénua de um jogo cujo 1º prémio depende da acumulação de 1000 pontos.

Visualizar este filme confronta-nos com o despojamento real e simbólico, com a sobranceria de pensamento de que existem seres humanos superiores e inferiores, da arrogância de uma parcela – que se auto-intitula dominante e superior – de dispor da vida e da morte dos seus semelhantes.

Num mundo fragmentado por fenómenos radicais e extremistas, este filme relembra, de forma acutilante, as memórias da Humanidade que deveriam ser recordadas e jamais replicadas.

O que podemos reflectir com este filme, que aborda “um” mundo que foi real, com frases verbalizadas pelas personagens:

  • “O silêncio é o grito mais forte.” Irónica frase carregada de simbolismo: de facto, os silêncios podem carregar mensagens fortíssimas, reforçando o propósito de que nem sempre o silêncio é aceitação, mas tão-somente uma forma subtil de resistir à dominação. Qualquer semelhança com a realidade é tudo menos pura coincidência.

  • “Ponha juízo na sua cabeça, porque estes tempos são muito difíceis, muito difíceis!” Um lembrete que recorda que a sensatez é uma estratégia mais do que utilitária para sobreviver ao desafio das circunstâncias e relações quando os contextos são desfavoráveis. Qualquer semelhança com a realidade é tudo menos pura coincidência.

  • “Os girassóis inclinam-se ao sol; mas se um se inclina demais, morreu. Você está servindo, mas não é um servo.” A gestão da arrogância versus humildade é um processo de crescimento e desenvolvimento interior. A humildade, enquanto qualidade de respeito individual e pelos pares, é diferente de humilhação. Há momentos em que as fronteiras se impõem, cabendo a cada um de nós fazer-se respeitar pela sua identidade sem que se isso se transforme em arrogância. Qualquer semelhança com a realidade é tudo menos pura coincidência.

  • “Schopenhauer diz que se pode fazer tudo com a vontade; eu sou o que quero ser.” A motivação e a confiança interior no que se pode e/ou deseja alcançar conquistam um território decisivo no processo de fazer acontecer. Acreditar, no âmago do nosso ser, é uma pré-disposição energética que propulsiona a nossa acção. Qualquer semelhança com a realidade é tudo menos pura coincidência.

As mensagens de resiliência habitam em cada palavra, acção e emoção que absorvemos deste filme. Apresenta-nos um final simultaneamente feliz e pesaroso.

Sintetiza, essencialmente, uma mensagem a reter: o respeito pelos outros, pela sua identidade e liberdade. De forma clara, tal como Simone de Beauvoir o escreveu: “Querer ser livre é também querer livres os outros.”

Poderá o contexto tornar refém o nosso corpo físico mas jamais aprisionará a nossa mente, que será sempre o nosso refúgio, residindo aí a nossa força e liberdade.

Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico. Revisão de texto realizada por José Ribeiro

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