Águas mansas não fazem bons marinheiros
- Sandra Dias
- 14 de mai. de 2018
- 3 min de leitura

Os provérbios recordam-nos evidências do quotidiano e alertam para simples detalhes que podem assumir-se como guias úteis no nosso crescimento pessoal e social.
E os provérbios podem falar de náutica em sentido figurado, sabendo de antemão que, de facto, a nossa vida pode assumir-se como uma embarcação, cuja sustentabilidade e progressão depende da nossa mestria em manejar o leme e, também, em definir a rota e ler a carta que nos leve ao nosso destino.
Poderíamos ser pueris e considerar que a viagem mais profícua da nossa existência se faria por um mar tranquilo, sem grandes ondas e, em algumas circunstâncias, sem borrascas. Mas isso seria apenas um pensamento mágico infantil, pois o mar faz-se de dias calmos e, muitas vezes, de contextos de grandes desafios.
Considero, com pragmatismo, que as mais significativas aprendizagens se realizam em condições adversas em que é exigida a mobilização do nosso “kit de ferramentas”, que teimamos em usar apenas em acutilantes situações.
Quando as vagas são de metros e passíveis de engolir a nossa embarcação há um impulso que nos leva a encher o peito de ar e canalizar toda a energia e saber para debelar a situação.
Quando navegamos em águas tranquilas, simbolicamente associadas a uma área de conforto, a nossa capacidade de superação é sublimada e, de alguma forma, o nosso kit de ferramentas excepcional é esquecido no porão. Nestas circunstâncias parece que o nosso corpo e mente também navegam embalados ao sabor da maré, levando a uma espécie de alheamento e a um possível escasso investimento em equacionar e/ou planear próximos portos e destinos. Ainda sobre esta questão, escrevi sobre a área de (des)conforto aqui.
Para desenvolvermos as nossas capacidades de análise e acção, num percurso permanentemente adaptativo, necessitamos de situações diferenciadoras que desafiam as nossas fronteiras. Se tudo estiver permanentemente calmo, o nosso metabolismo lê essa realidade e, de alguma forma, assume-a como sendo a regularidade, levando a colocar em modo stand-by as nossas competências de resposta.
Quando tudo é fácil ou muito regular o stand-by cristaliza-se, conduzindo-nos a estados de acomodação que podem, por vezes, ser adversos a médio prazo.
A existência de respostas universais e definitivas são uma remota possibilidade e, na minha modesta opinião, são amorfas e pouco estimulantes. Claramente existem dias em que preferíamos estar sentados comodamente ao leme e apenas lidar com a mágica luz no horizonte. Mas como tal é uma impossibilidade, aproveitemos esses dias com a máxima fruição possível, conscientes de que estamos a acumular energias para os dias de tempestade. E conscientes de que na bonança a nossa mestria de navegação é quase apenas baseada na eficiência, fazendo as coisas correctamente.
Os grandes desafios surgem quando somos impelidos a pensar e agir sobre a base da eficácia, fazendo a coisa correcta. Neste capítulo mais do que lidar com conhecimento, somos treinados a lidar com a competência. A competência para ajustar as velas numa embarcação que abana por todos os lados é algo que nos proporciona uma aprendizagem para a vida.
Há quem se centre na aprendizagem como uma oportunidade e há quem se centre na experiência culpando o contexto pelas circunstâncias. Diferentes abordagens geram diferentes resultados.
Termino citando Kundera “São precisamente as perguntas para as quais não há resposta, que marcam os limites das possibilidades humanas e que traçam as fronteiras de nossa existência.”
Sandra Dias
Este artigo foi escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.
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